sábado, 17 de janeiro de 2015

Outra perspectiva para o conto "A Lei do Silêncio", de Victor Giudice.

Olhou para o relógio. 22h25min. "Já passaram das 22h", resmungou, dando um longo e mal-humorado suspiro. "É sempre a mesma coisa. Uma hora briga com a mulher por causa do açúcar no chá, outra hora por causa do sal na comida... De fato, se fosse com a minha mulher eu não ia querer que me controlasse dessa maneira! Mas precisava brigar depois das 22h? Estou com uma enxaqueca horrível, até os tapas que eles dão um no outro escuto daqui! Vê se pode..."

Procurava um remédio para enxaqueca, quando ouviu os tiros. Martelavam, um a um, em sua cabeça, fazendo sua irritação crescer ainda mais, Por um minuto, distraiu-se com o estrago do terceiro tiro. "Ih... parece que quebrou alguma coisa... Só espero que não tenha sido nenhuma de suas estatuetas de faiança. Que relíquias! Seria uma pena." Porém, mais tiros sucederam, e então decidiu. "Já chega! Vou ligar para a polícia! Eu avisei, avisei que mais uma baderna dessas e eu levava para as autoridades!" Pegou o telefone e discou o número da delegacia mais próxima:

- 20ª D.P., boa noite.:

- De boa essa noite não tem nada!

- O que aconteceu senhor?

- O insuportável do meu vizinho! Parece que nunca ouviu falar na Lei do Silêncio! Está sempre brigando muito alto com a mulher e, ainda por cima, depois das 22h! Assim não dá! E hoje ainda deu para atirar nela! Só um policial para botar ordem naquele apartamento!

- Ok, senhor. Mandaremos um policial agora mesmo. 

Passou o endereço do seu vizinho e terminou a ligação.

Deu outro longo suspiro, depois de finalmente tomar o remédio, e pensou consigo mesmo: "Ai, ai... Está faltando mesmo é bom senso, viu?".

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Formas nem tão novas de Ser, Ver, Saber...

Então, a inspiração surgiu em outro formato, mas posto para sair da inatividade literária...

Incrível a velocidade com que as coisas se transformam, principalmente os eletrônicos e mídias. Descobri recentemente que não tenho como ouvir alguns CDs antigos, músicas que não cheguei a baixar para o meu acervo virtual. Tentei colocar o CD no notebook e não foi lido, o aparelho de som tampouco o girou, cheguei a abrir a caixa do eletrônico e descobri muita poeira dentro, nossa, acabei desistindo da missão de ouvir o pequeno disco prateado e parti para a Internet na expectativa de saciar meu desejo auditivo. Rapidamente encontrei o que queria num site de música e em menos de um minuto estava escutando tudo o que queria e mais um pouco.

Entendo e aceito a evolução, mas até certo momento, as coisas pareciam mais controláveis, mesmo o que era novidade, como o walkman, por exemplo, para manuseá-lo e ouvi-lo não precisava de nenhum entendimento abstrato, de nuvem, compartilhamento, formatos de mídias ou qualquer coisa do gênero. Era fácil pegar uma fita VHS, que poderia passar de mão em mão, e assistir a um filme, ou deixar um LP tocar até o final e ficar ouvindo o estalar da vitrola avisando que terminaram as faixas.

Isso não é assunto novo, é mais do que sabido que estamos sempre evoluindo, buscando novas formas de interagir com o meio e uns com os outros, e sempre haverá mudanças, mas após o surgimento da Internet as possibilidades são tão grandiosas, que assustam aos que foram acostumados com o poder de manipular o que era concreto, ou o que se pensava ser concreto, como segurar uma fita K7 e rodá-la com uma caneta Bic para ouvir novamente o mesmo lado, seja isso simples ou não. É claro que o processo hoje é bem mais fácil para quase tudo, mas apesar da Internet ser um veículo quase que democrático, uma vez que a maioria dos lares já possui acesso, não quer dizer que seja para todos. Vejo muitos idosos na tentativa de associar este mundo novo avançando limitadamente e muitos que não querem nem tentar, e não é que antes não tivessem experts em tecnologia, havia muitos, mas eram mundos separados, você podia fazer parte da turma que construía os sistemas, a minoria, ou da turma que só usufruía das tecnologias, mas hoje, parece que todos tem de saber montar sites e blogs, baixar músicas, montar playlists, frequentar redes sociais, encontrar e fazer negócios pela internet, transações bancárias e por aí vai.

Tento fazer um pouco de tudo isso, mas parafraseando o ditado conhecido e cada vez mais real em nossas vidas, só tenho a certeza de que nada sei, e com o passar do tempo, a impressão é que saberei cada vez menos. Podemos até garantir a evolução em alguns assuntos, mas não conheço ninguém que possa dominar profundamente diversos âmbitos, então em algum momento seremos todos surpreendidos. Se você gosta, por exemplo, de fotografia, cinema, vídeo, áudio e nunca chegou a se aprofundar no assunto ou se formou, entrou no mercado e não fez mais nenhuma atualização, possivelmente você segmentou em um tipo de software e agora está quase acorrentado a ele, então tente fazer um curso inicial de uma nova ferramenta. Sendo você já praticante da área ou não, entrará como que no mundo de Alice a descobrir um universo de novas possibilidades.

Ao contrário dos que já estão no mercado e que cresceram acompanhando a evolução das mídias, as crianças hoje já convivem com esta realidade desde pequenas, e a maior diferença não é nem o aspecto “material”, o Ipad/tablet que carregam nas mãos, mas a iniciação a este mundo virtual em que quem define a programação é o próprio usuário. Imagina se na minha época de criança, década de 80 e 90, alguns, poucos, tiveram ideias revolucionárias e criaram um computador moderno e portátil sem nunca ter visto nada igual, então o que farão estes descendentes de hoje que crescem aceitando a ideia da realização de seus desejos e necessidades de forma abstrata, virtual, onde o mundo é o que elas querem. É uma nova relação com a satisfação dos nossos próprios desejos, onde tudo é possível. Adolescentes ficam ricas com blogs, exposição em massa, a privacidade quase inexiste, relacionamentos virtuais.

Muitas mudanças ainda advirão do nosso atual e mutável comportamento, junto a isso, que acompanhe o nosso amadurecimento, a valorização da educação, que deve ser retomada com uma visão adaptada à forma de percepção atual, não cabe mais o mesmo sistema, e que os nossos valores sejam revistos. Não somos países isolados, nunca fomos, mas está cada vez mais difícil ignorar que qualquer decisão do vizinho não interfira em nossa vida, somos como irmãos adultos vivendo na mesma casa, por enquanto em cômodos separados, a briga de qualquer um afeta a sua paz. A tecnologia nos uniu e a tendência é que nos aproxime cada vez mais, e o que fazer? Isso o Google não responderá.

Precisaremos de líderes sábios para guiar a humanidade no caminho da consciência, do autoconhecimento, do amadurecimento e da possível sobrevivência neste planeta, em constante transformação, onde somos apenas passageiros.

Enquanto isso, eu volto ao meu som, que divino! Oferecido a mim “gratuitamente”, com apenas um cadastro, toda a discografia, e ainda a ouço através de uma caixa de som conectada virtualmente ao meu computador que é fantástica, ideia genial. Ainda saberei através do site, quantos escutaram a mesma música e quantos a ouvem simultaneamente comigo, quantos seguem ou perseguem o artista, se ele segue alguém, o que ele, os outros e eu, pensamos, comemos, assistimos, achamos, sonhamos, e o que não sabemos uns dos outros, será possível não sabermos?

domingo, 10 de agosto de 2014

MAIS PÃES


Hoje é dia de falar deles. Mas quem são eles hoje? Herdeiros de antigos tempos de uma paternidade de pedra. Lascada, se é que você me entende.
Cravaram a humanidade com o Pai da Criação, do Céu, o Pai da Filosofia, o Pai da Ciência, O Pai da Medicina e, por aí, uma lista infinita que pouco espaço deixou para o feminino. Mãe do Céu, Mãe da Igreja, alguma coisinha, para apaziguar os ânimos.
O que, aos poucos, ganhou ares de rebelião, com sutiã e pílula, nos deixou a instigante tarefa de reencontrar nossos lugares, como numa brincadeira de salão. Tentativas, exageros e erros naturais nos trouxeram para a aceitação, quase sem traumas, da dualidade do ser. E, ao mesmo tempo que afastou a mãe, aproximou pai e filhos.
Sem prejudicar a natureza de homem e mulher _ sendo que o mundo masculino não daria tudo ao homem, nem à mulher _ temos optado, em número significativo, por trocar tarefas. E quanta alegria, tem nos trazido, o desafio da mudança! Poder um homem chorar de emoção, uma mulher se expandir num xingamento. Meninos brincando de boneca e meninas dirigindo seu primeiro carrinho.
Uma época de pães e mais. Gente que entende que a delicadeza pode ficar bem num homem e a força numa mulher pode ser sábia.
Parabéns a todos.

sábado, 9 de agosto de 2014

Meu papel de passarinho


Meu papel no mundo é dobrado em origami
Muda de formato de acordo com a situação
Cada dobradura deixa vincos, cada vinco conta parte de uma história
De todas as formas que assumiu até agora, minha preferida é a de passarinho
Barquinhos, sem água nem vento, são imóveis
Aviõezinhos caem sempre de bico no chão
E soltar balão é crime

*Publicado originalmente no blog Literasutra.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Grão de Areia

Grão de areia. Pontinho solto que grita e insiste que o mundo não ouve.

- O que houve com o mundo? Querem me calar? – berra a criatura ansiosa – Eu vou soltar meus cachorros!! 

Latem, latem, latem… E lá, no fundo, tem algum significado a vida? – pensa.

Ela para, respira e se olha no espelho. Não quer falar. Não quer ouvir seus cachorros. Só quer sentir que ainda respira. Está viva! Vê uma outra que não é ela. Chora. Expurga todo o vazio em lágrimas e, num sopro, arfa como um cão sem dono e se enche de vida. Coloca no papel toda a angústia e sabe quem é. Um grão de areia. Pontinho solto que grita e insiste que o mundo não a ouve. Mas agora ela encontra a voz na pena. Ela sabe pra quem está falando e precisa disso para se exibir. Os cachorros lambem seu ego (fazem festinha!). Grão de areia que a água molhou.

30/07/2014 – 21:44